Ameaça de greve geral reaviva velhas discussões

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A lei de acesso à informação, em vigor desde maio, permitiu à sociedade tomar conhecimento da realidade salarial dos servidores públicos. As informações divulgadas até agora mostram um quadro de graves distorções, que a revista britânica “The Economist” classificou, em reportagem recente, como “roubo ao contribuinte”.

Ministros que ganham acima do teto salarial de R$ 26,7 mil, senadores que acumulam o salário de parlamentar com os proventos de aposentadorias, servidores de tribunais que ganharam acima de R$ 100 mil em um determinado mês em virtude de “vantagens eventuais”, médicos com vencimentos superiores a R$ 40 mil por conta de horas extras e funcionários da Prefeitura de São Paulo que ganham acima do salário do presidente da Câmara, para citar algumas dessas distorções.

O que se sabe até agora parece ser apenas a ponta do iceberg, pois nem todos os tribunais divulgaram os salários de seus servidores e o Legislativo Federal não publicou a sua lista. Sem falar nas informações ainda não disponíveis relativas aos funcionários públicos estaduais e municipais. Só o Executivo Federal divulgou a lista completa com os salários de seus servidores, por determinação da presidente Dilma Rousseff.

Os dados sobre as remunerações dos funcionários públicos confirmam um estudo do professor Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Segundo o estudo, feito com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), os servidores são mais bem remunerados que os trabalhadores do setor privado nas três esferas de governo, nos três níveis de escolaridade, com exceção dos funcionários municipais com curso superior.

O professor informa, em seu trabalho, que o setor privado paga mais do que o setor público apenas nas funções de alta gerência. Mas Marconi adverte que é complicado calcular a diferença de remuneração nesses cargos, pois eles são difíceis de ser identificados na Pnad e a escolha envolve uma certa dose de arbitrariedade.

Os servidores públicos possuem também o benefício da estabilidade no emprego e uma aposentadoria mais generosa do que os trabalhadores da iniciativa privada. Além disso, eles gozam de um direito de greve especial. Mesmo parando de trabalhar, continuam recebendo os seus salários integralmente, da mesma forma que aqueles que não cruzaram os braços. Não há qualquer punição.

Ao trabalhador da iniciativa privada, isso soa como algo difícil de acreditar, pois ele sabe dos riscos que corre ao fazer uma paralisação. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a sua experiência de sindicalista, certa vez comparou a greve dos funcionários públicos a férias remuneradas. Por isso, no Brasil de hoje, existem trabalhadores de primeira e de segunda categoria: os servidores públicos, com todas as suas vantagens e um direito de greve especial; e os trabalhadores da iniciativa privada.

Os professores das universidades públicas, por exemplo, estão em greve desde o dia 17 de maio. Numerosas categorias de servidores estão em “operação padrão” e ameaçam paralisar completamente suas atividades para pressionar a presidente Dilma Rousseff a conceder aumentos salariais. Os sindicalistas trabalham para produzir uma greve geral de servidores este ano.

A ameaça de greve geral reacende duas velhas discussões no Brasil, até agora sem desfecho: a necessidade de uma política salarial para o funcionalismo – a única proposta feita pelo Executivo dorme desde 2007 nas gavetas do Congresso – e a regulamentação do direito de greve.

O Brasil, por exemplo, é o único país entre os desenvolvidos e os emergentes que permite greve nas categorias armadas do setor público. Ainda está fresca na memória a greve dos policiais militares e bombeiros na Bahia, que ficaram 12 dias parados no início deste ano, causando grandes transtornos à população.

O Congresso Nacional não pode mais se omitir. Ele precisa enfrentar esses problemas, aprovando uma política salarial para os servidores e regulamentando o artigo 9º da Constituição de 1988, que assegura o direito de greve, definindo os serviços ou atividades essenciais, dispondo sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da população e deixando claro que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
Fonte: Valor Econômico      –      09/07/2012

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